Para o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, é um erro achar que existe a figura de um “salvador da pátria” que vá resolver, sozinho, todos os problemas do país. “O Brasil não tem exercício de autoridade de uma pessoa”, afirmou na noite desta sexta-feira (2).
Malan, que preside o conselho consultivo internacional do Itaú Unibanco, palestrou em evento voltado a alunos brasileiros que estudam no exterior organizado pela Brasa (associação de estudantes brasileiros, na sigla em inglês) na Universidade Emory, em Atlanta (EUA).
O ex-presidente do Banco Central proferiu a frase ao comentar a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno das eleições presidenciais, realizadas no último domingo (28).
“Tão importante ou mais que quem [ganhou], é saber com quem mais, para que, em que lugar chegou e em que termos expressou seu discurso e sua narrativa antes de nós chegarmos [ao governo]. Tem um extraordinário conteúdo informacional”, afirmou.
Até agora, são cinco os ministros anunciados pelo presidente eleito: Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia), general Augusto Heleno (Defesa), Sergio Moro (Justiça) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia).
Por isso, o ex-presidente do Banco Central diz que ainda é cedo para avaliar a composição do governo Bolsonaro. “O resto das equipes é fundamental, mas é fundamental saber como vão interagir entre elas”, afirmou. “Porque uma coisa é disputar uma eleição, a outra coisa é governar um país da complexidade do Brasil, não é brincadeira.”
O ex-ministro diz que gostaria que, durante a campanha eleitoral, as propostas de Bolsonaro e de seu adversário, o petista Fernando Haddad, tivessem sido melhor detalhadas.
“Outras questões acabaram dominando o debate, o papel das redes sociais, a baixaria das redes, num certo sentido. Mas o fato é que tivemos menos discussão do que teríamos tido sobre as políticas a serem implementadas pelo novo governo.”
Na palestra, ele citou o autor Joseph Schumpeter e o livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”. Na obra, diz, o austríaco indicava que a máquina capitalista era extraordinariamente eficaz para aumentar a produção e difundir padrões de consumo, mas não era eficaz para distribuir o produto e a riqueza gerada.
Segundo ele, essa é a discussão social que existe hoje no Brasil e no mundo. O Brexit -saída do Reino Unido da União Europeia- e a eleição do presidente americano, Donald Trump, poderiam, em algum sentido, ser explicados pelo avanço da tecnologia.
“Algumas pessoas não se adaptaram e não adquiriram as habilidades necessárias para lidar com as novas demandas do sistema e criam um sentimento de que estão sendo marginalizadas, deixadas para trás”, diz.
“Elas tendem a votar em alguém que diga que vai ser seu defensor, seu salvador. Isso é um terreno fértil para um grupo significativo de pessoas numa sociedade, que tendem a expressar isso em eleições. Esse é um risco que várias democracias estão correndo.”
Apesar disso, ressaltou a resiliência que o Brasil tem, com uma economia forte, setor privado diversificado e heterogêneo e com peso significativo.
No campo econômico, defendeu a necessidade de aprovação de uma reforma da Previdência para equilibrar as contas do governo, e comentou a proposta de “Imposto Único” do economista Marcos Cintra, que ajudou a montar o programa econômico de Bolsonaro.
A ideia seria substituir todos os tributos por apenas um, sobre movimentação financeira, cobrado sobre cada parte de uma transação bancária.
“Ele defende a unificação há muito tempo. Num país que tem esse manicômio tributário, essa proposta tem um certo apelo”, afirmou.
“Sem entrar em detalhes e reconhecendo o apelo político que tem a ideia, eu tinha na minha sala, no ministério, durante oito anos, uma frase que dizia ‘para todo problema complexo, tem uma solução simples e ela frequentemente está errada'”, disse.
“Eu desconfio de soluções simples para problemas complexos. A ideia de ter uma solução mágica que resolve o problema sempre achei tentadora demais para ser crível.”